
Medo de ficar sozinho
O vazio como um convite ao reencontro consigo
CONTEMPORANEIDADEAUTONOMIA
Marcelo Paes
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Vivemos em uma sociedade que parece não saber mais o que fazer com o silêncio.
O tempo inteiro somos convocados a estar conectados, disponíveis e produtivos. Há sempre uma notificação, uma mensagem ou algum novo conteúdo. A solitude, antes vivida como um espaço necessário de recolhimento, passou a ser vista quase como um sintoma a ser erradicado, como se estar só fosse um sinal de fracasso, desinteresse ou falta de amor.
No entanto, por trás dessa aversão à solidão, esconde-se algo muito mais profundo, provavelmente, o medo de se encontrar consigo mesmo e se ouvir. De fato, o sujeito contemporâneo foge do vazio com a mesma intensidade com que busca o prazer. Há uma pressa em tamponar os "vazios" e os "silêncios", seja com pessoas, tarefas, consumos exagerados ou experiências de todo tipo. Paradoxalmente, o que pode parecer uma vida com sentido, apenas aumenta a sensação de ausência e de abandono. O vazio não desaparece; ele se disfarça.
O vazio e o desamparo
Desde o nascimento, segundo S. Freud, somos atravessados pela experiência fundante e estruturante do desamparo. O bebê, ao vir ao mundo, depende inteiramente do outro para sobreviver. Essa experiência primária inscreve em nós como uma verdade estrutural na qual precisamos do outro para existir, mas jamais poderemos nos fundir completamente a ele.
A solidão, portanto, é parte constitutiva do humano.
Freud, ao refletir sobre o desamparo (Hilflosigkeit), mostrou que toda busca por amor carrega em si a tentativa de reencontrar aquela sensação de completude perdida. Buscamos no outro aquilo que, em algum momento, acreditamos ser a promessa de não mais sentir falta, de não mais estar só.
A psicanálise, então, nos convida a enfrentar que ninguém pode nos salvar da própria falta, do que nos é estruturante da psique. É justamente quando reconhecemos essa impossibilidade que o amor se torna mais real, menos idealizado, mais humano e mais maduro. Do mesmo modo, é nesse reconhecimento que a solidão deixa de ser um abismo e passa a ser um terreno fértil para o autoconhecimento.
Estar sozinho não é estar abandonado
Muitas pessoas confundem a solidão com o abandono e é nessa confusão que o sofrimento se intensifica. Estar só pode ser uma escolha, uma forma de se recolher para escutar o que dentro de si ainda precisa de cuidado. Já o abandono é o sentimento de ser deixado à deriva, sem laço, sem pertencimento, sem voz.
O sujeito que teme ficar só, muitas vezes, não teme a ausência do outro, mas o confronto com as próprias partes não resolvidas, seus próprios silêncios e cicatrizes. É difícil estar consigo quando existe a presença da culpa pela falta de entendimento e incompreensão dos desejos reprimidos, dos afetos engasgados e das palavras não ditas. O silêncio pode ser ensurdecedor quando a mente está povoada por vozes internas que não cessam de julgar, cobrar e relembrar. Estar em silêncio pede que possamos simbolizar o que não é claro dentro de nós.
Por isso, o processo de aprender a estar só é, ao mesmo tempo, um exercício de reconciliação interna, e poder estar em paz com o que somos, assumindo nossas responsabilidades através da compreensão do que vivemos, o que escolhemos, perdemos e com aquilo que ainda não conseguimos compreender. É permitir-se a escuta das próprias angústias sem tentar calá-las com distrações.
A solidão pode ser um espaço de criação, liberdade e independência
A psicanálise não vê o vazio como algo a ser eliminado, mas como um espaço de possibilidade.
É na falta que o desejo nasce, é na ausência que o sujeito se move, cria e transforma a si mesmo e seu ambiente. O vazio, portanto, pode ser vivido não como um buraco sem fundo, mas como um convite para criar sentido onde antes sequer havia silêncios.
Quando o sujeito aprende a habitar a própria solidão, ele descobre uma forma diferente de liberdade que é independente do olhar do outro ou de alguma validação externa. Nisso, o amor próprio deixa de ser um discurso e passa a ser experiência vivida, a capacidade de sustentar-se em si, sem precisar se dissolver em ninguém.
Há uma solidão que é fértil.
É dela que nascem os projetos mais autênticos, as criações mais profundas e as escolhas mais conscientes. O encontro com o outro, então, torna-se mais verdadeiro, porque já não parte da carência, mas do desejo de partilhar. Não mais do “precisar de alguém”, mas do “querer estar com alguém”.
Habitar o silêncio é um gesto de coragem
Na clínica, não é raro que o medo da solidão se manifeste em forma de dependência emocional, ansiedade diante da possibilidade de abandono ou da necessidade constante de validação do outro. Tais sintomas revelam o quanto o sujeito teme olhar para dentro de si mesmo.
É preciso então, no processo analítico, que o indivíduo aprenda a olhar para si, para seu interior, e compreenda a travessia da solitude. É nesse espaço que o sujeito aprende a se escutar, a decifrar os próprios enigmas e a sustentar o não saber.
Por isso, habitar o silêncio é um gesto de coragem. Porque é necessário abrir mão das respostas prontas e permitir que o inconsciente fale mais alto, e possa ser ouvido. É suportar o vazio sem tentar preenchê-lo de imediato, confiando que algo novo pode emergir dali. A solidão, nesse sentido, não é ausência de vida, mas sim a possibilidade de criar uma nova realidade psíquica.
O reencontro
Talvez o verdadeiro reencontro consigo não aconteça quando tudo está em ordem, mas quando conseguimos acolher o que pensamos ser o mais imperfeito em nós. Aprender a estar só é libertador. Porque, quando somos capazes de estar conosco, podemos escolher o outro por genuíno desejo, não por medo e por reconhecer sua alteridade.
É possível estar só e não se perder.
O medo de ficar só, afinal, é o medo de existir plenamente, e é justamente quando deixamos de fugir da solidão que descobrimos que há dentro de nós, uma voz que anseia ser ouvida.
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MARCELO PAES
Psicanalista e Psicoterapeuta